sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

por mim, por nós e pelas outras.






Texto de Priscilla Caroline.

Não falo de uma crise como ideia ou como movimento, mas algumas feministas estão vendo a terra ruir debaixo de seus pés. Sem recursos para manter equipe e projetos, várias organizações feministas no Brasil vem travando uma luta árdua para se manterem existindo e resistindo às inúmeras possibilidades de retrocessos nos direitos das mulheres.


Foto de Priscilla Caroline, autora do texto.
Foto de Priscilla Caroline, autora do texto.
Várias organizações feministas surgiram no processo da redemocratização do Brasil, assim como outras organizações não-governamentais. A queda da Ditadura Militar (1964-1985) e a inspiração dos outros países de regime democrático levaram muitos movimentos e grupos políticos à criação dessas organizações.
Para os movimentos feministas e de mulheres, essa foi uma saída interessante para manter uma militância organizada, profissionalizada e mais independente em relação a outras estruturas políticas como os sindicatos e os partidos.
SOS Corpo (PE), o CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria (DF), o Geledés – Instituto da Mulher Negra e a SOF – Sempre Viva Organização Feminista (SP) são exemplos de organizações que há muitos anos lutam pelos direitos das mulheres e que mantém equipes de profissionais que desenvolvem atividades de formação, mobilização, pesquisa e articulação política voltados para as lutas das mulheres.
Para existirem, a maior parte dessas organizações feministas receberam o financiamento de fundações e governos estrangeiros durante anos. Há muito debate sobre os reais interesses envolvidos nesse tipo de financiamento e as consequências para o tipo de trabalho desenvolvido pelas organizações, mas fato é que não haviam muitas possibilidades de sustentação do trabalho dessas ONG’s no Estado ou por meio de financiamento direto, através de contribuições individuais. O feminismo não é exatamente um movimento “amigável” para a sociedade de um modo geral e muito menos para os governos brasileiros.
O cenário atual, contudo, não é dos mais animadores. Vários fundos internacionais viram seus recursos tornarem-se escassos com a crise econômica mundial. Governos de esquerda que tradicionalmente mantinham projetos de financiamento para áreas de direitos humanos foram substituídos por governos de direita, pouco dispostos a financiar nossas causas. Além disso, o Brasil se tornou uma potência mundial, deixou de ser visto como um país a ser ajudado, em condições de subdesenvolvimento.
“Sustentabilidade” é o grande desafio de quase todas as ONG’s feministas, pois os poucos financiamentos que restam parecem insustentáveis, como expõem Jane Barry e Jelena Djordjevic em “Que sentido tem a revolução se não podemos dançar?”¹:
“A maior parte dos financiamentos não cobrem sequer a ínfima parte dos custos mais básicos e fundamentais, tais como salários razoáveis, previdência social ou  medidas de segurança e proteção à violência. […] haja visto que a maioria dos fundos disponíveis é para curto prazo, cobrem apenas projetos específicos e são exageradamente condicionados” (p. 7).
Ou seja, as organizações convivem com a realidade de que muitas vezes não conseguem garantir para sua equipe os direitos trabalhistas básicos, que tanto lutam para que sejam um direito de todas as mulheres. Há poucas chances também de sustentabilidade a partir do Governo brasileiro. Há muitos anos se debate o novo marco regulatório das organizações, mas mesmo com ele há poucas chances de sobrevivência das organizações feministas. Em um mundo de forças desiguais onde os fundamentalismos e os conservadorismos tem ganhado ainda mais voz e espaço, fica difícil sustentar discursos em prol dos direitos sexuais e reprodutivos ou da autonomia do corpo das mulheres.
Para tentar resistir, as organizações tem tentado criar projetos e formas de trabalhar que permitam a captação de recursos de diferentes fontes e que visem ações mais articuladas e integradas. Ainda assim, é difícil vislumbrar chances reais, no curto prazo, de sobrevivência.
Diante de um cenário tão pessimista, contudo, as dúvidas são muitas. O que aconteceria se essas organizações acabassem? Qual o impacto disso para o nosso movimento feminista? E toda a memória e a experiência acumulada por elas se perderiam?
É bem difícil encontrar respostas para estas perguntas, mais difícil ainda colocar as possíveis soluções em prática. Eu, particularmente, não tenho nenhuma resposta. Mas achei essa uma boa caraminhola para as nossas reflexões sobre os desafios das nossas lutas nos próximos anos.
Referência
¹ “Que sentido tem a revolução se não podemos dançar?”, de Jane Barry e Jelena Djordjevic. Fundo de ação urgente pelos direitos das humanos das mulheres, EUA, 2007.

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