Não
falo de uma crise como ideia ou como movimento, mas algumas feministas
estão vendo a terra ruir debaixo de seus pés. Sem recursos para manter
equipe e projetos, várias organizações feministas no Brasil vem travando
uma luta árdua para se manterem existindo e resistindo às inúmeras
possibilidades de retrocessos nos direitos das mulheres.
Várias organizações feministas surgiram no processo da
redemocratização do Brasil, assim como outras organizações
não-governamentais. A queda da Ditadura Militar (1964-1985) e a
inspiração dos outros países de regime democrático levaram muitos
movimentos e grupos políticos à criação dessas organizações.
Para os movimentos feministas e de mulheres, essa foi uma
saída interessante para manter uma militância organizada,
profissionalizada e mais independente em relação a outras estruturas
políticas como os sindicatos e os partidos.
O SOS Corpo (PE), o CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria (DF), o Geledés – Instituto da Mulher Negra e a SOF – Sempre Viva Organização Feminista
(SP) são exemplos de organizações que há muitos anos lutam pelos
direitos das mulheres e que mantém equipes de profissionais que
desenvolvem atividades de formação, mobilização, pesquisa e articulação
política voltados para as lutas das mulheres.
Para existirem, a maior parte dessas organizações
feministas receberam o financiamento de fundações e governos
estrangeiros durante anos. Há muito debate sobre os reais interesses
envolvidos nesse tipo de financiamento e as consequências para o tipo de
trabalho desenvolvido pelas organizações, mas fato é que não haviam
muitas possibilidades de sustentação do trabalho dessas ONG’s no Estado
ou por meio de financiamento direto, através de contribuições
individuais. O feminismo não é exatamente um movimento “amigável” para a
sociedade de um modo geral e muito menos para os governos brasileiros.
O cenário atual, contudo, não é dos mais animadores. Vários
fundos internacionais viram seus recursos tornarem-se escassos com a
crise econômica mundial. Governos de esquerda que tradicionalmente
mantinham projetos de financiamento para áreas de direitos humanos foram
substituídos por governos de direita, pouco dispostos a financiar
nossas causas. Além disso, o Brasil se tornou uma potência mundial,
deixou de ser visto como um país a ser ajudado, em condições de
subdesenvolvimento.
“Sustentabilidade” é o grande desafio de quase todas as
ONG’s feministas, pois os poucos financiamentos que restam parecem
insustentáveis, como expõem Jane Barry e Jelena Djordjevic em “Que sentido tem a revolução se não podemos dançar?”¹:
“A maior parte dos financiamentos não cobrem sequer a ínfima parte dos custos mais básicos e fundamentais, tais como salários razoáveis, previdência social ou medidas de segurança e proteção à violência. […] haja visto que a maioria dos fundos disponíveis é para curto prazo, cobrem apenas projetos específicos e são exageradamente condicionados” (p. 7).
Ou seja, as organizações convivem com a realidade de que
muitas vezes não conseguem garantir para sua equipe os direitos
trabalhistas básicos, que tanto lutam para que sejam um direito de todas
as mulheres. Há poucas chances também de sustentabilidade a partir do
Governo brasileiro. Há muitos anos se debate o novo marco regulatório
das organizações, mas mesmo com ele há poucas chances de sobrevivência
das organizações feministas. Em um mundo de forças desiguais onde os
fundamentalismos e os conservadorismos tem ganhado ainda mais voz e
espaço, fica difícil sustentar discursos em prol dos direitos sexuais e
reprodutivos ou da autonomia do corpo das mulheres.
Para tentar resistir, as organizações tem tentado criar
projetos e formas de trabalhar que permitam a captação de recursos de
diferentes fontes e que visem ações mais articuladas e integradas. Ainda
assim, é difícil vislumbrar chances reais, no curto prazo, de
sobrevivência.
Diante de um cenário tão pessimista, contudo, as dúvidas
são muitas. O que aconteceria se essas organizações acabassem? Qual o
impacto disso para o nosso movimento feminista? E toda a memória e a
experiência acumulada por elas se perderiam?
É bem difícil encontrar respostas para estas perguntas,
mais difícil ainda colocar as possíveis soluções em prática. Eu,
particularmente, não tenho nenhuma resposta. Mas achei essa uma boa
caraminhola para as nossas reflexões sobre os desafios das nossas lutas
nos próximos anos.
Referência
¹ “Que sentido tem a revolução se não podemos dançar?”, de Jane Barry e Jelena Djordjevic. Fundo de ação urgente pelos direitos das humanos das mulheres, EUA, 2007.
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