terça-feira, 7 de março de 2017

Um pouco sobre a luta das mulheres...

“No dia da mulher as mulheres organizadas manifestam-se contra a sua falta de direitos. Mas alguns dizem: Por quê esta separação das lutas das mulheres? Por quê há um dia da mulher, panfletos especiais para trabalhadoras, conferências e comício? Não é, enfim, uma concessão às feministas e sufragistas burguesas? Só aqueles que não compreendem a diferença radical entre o movimento das mulheres socialistas e as sufragistas burguesas podem pensar desta maneira (...).

Um pouco sobre a luta das mulheres...


Segundo Engels, “De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em última instância, a produção e reprodução da vida imediata. Mas essa produção e reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de meios de existência, de produtos alimentícios, habitação e instrumentos necessários para tudo isso; de outro lado, a produção do homem mesmo, a continuação da espécie”.
Este é o ponto de partida que se necessita ter para analisar a questão da mulher e a importância de sua luta.
No sistema capitalista, de que forma a mulher da classe trabalhadora participa da divisão de trabalho para realizar tal produção e reprodução da vida? Esta reflexão faz-se necessária já que existe uma divisão sexual destes trabalhos e esta não ocorre como uma simples divisão de tarefas. É, ao contrário, hierarquizada, na qual o trabalho realizado pelos homens é socialmente valorizado e o realizado pelas mulheres - ocorrendo este dentro ou fora da esfera doméstica – subjugado e considerado socialmente inferior.
A desvalorização do trabalho feminino não é algo ‘natural’, ou seja, fruto de suas características biológicas. É, na verdade, fruto de construções históricas, das quais o capitalismo se apropria para - seja mantendo a mulher dentro do lar, responsável pela reprodução da força de trabalho, ou, seja a empregando nos serviços mais desqualificados e menos remunerados - aumentar ainda mais a exploração da classe trabalhadora.
Por isso a necessidade da organização das mulheres trabalhadoras. Não como uma organização a parte, já que pelos motivos mencionados acima isto não será resolvido com reformas que não alterem as bases de exploração de nossa sociedade, mas compreendendo sua opressão como mais um mecanismo de dominação da burguesia. Neste sentido, cabe às mulheres comunistas a tarefa de estudar ainda mais, de se formar e de, trabalhando com outras mulheres que muitas vezes ainda não perceberam esta situação, somar à luta revolucionária. Não como espectadoras, mas como ativas militantes. Isto já ocorre e sempre ocorreu.
Foi justamente por isso que foi proposto um Dia da Mulher. Este surgiu da luta das mulheres comunistas, como uma proposta de Clara Zetkin em 1910 para o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, realizado na Dinamarca. Nesse Congresso também estavam presentes Alexandra Kollontai e Rosa Luxemburgo.
Alexandra Kollontai, em seu escrito “O Dia da Mulher”, de 1913, ressalta a importância dessa data para as mulheres socialistas:
“No dia da mulher as mulheres organizadas manifestam-se contra a sua falta de direitos. Mas alguns dizem: Por quê esta separação das lutas das mulheres? Por quê há um dia da mulher, panfletos especiais para trabalhadoras, conferências e comício? Não é, enfim, uma concessão às feministas e sufragistas burguesas? Só aqueles que não compreendem a diferença radical entre o movimento das mulheres socialistas e as sufragistas burguesas podem pensar desta maneira (...). Qual o objetivo das operárias socialistas? Abolir todo o tipo de privilégios que derivem do nascimento ou da riqueza. À mulher operária é indiferente se o seu patrão é um homem ou uma mulher”.
De seu surgimento até os nossos dias essa data de luta foi perdendo este caráter classista do qual fala Alexandra e, abandonando suas raízes comunistas, abandonou também a idéia de que o fim da opressão das mulheres e a igualdade plena entre os sexos estão intrinsecamente ligadas com derrubada do capitalismo.
Neste ano, o ato que marca o Dia da Mulher, em São Paulo, infelizmente não foi diferente e fugiu bastante da ideia inicial da data.. Porém lá também estiveram presentes mulheres empunhando bandeiras que diziam “Viva as Mulheres Comunistas”, “Viva as Mulheres em Luta”, “Viva as Guerrilheiras das FARC-EP”. A iniciativa foi do Grupo de Estudos de Mulheres Comunistas Carla Maria, que com muito entusiasmo, do começo ao fim do Ato chamaram a atenção com suas palavras de ordem, bandeiras e organização.
“Nós mulheres percebemos que apesar dos movimentos e organizações políticas terem em seu corpo grande parte de mulheres, essas dificilmente ocupam tarefas de direção, liderança ou elaboração teórica marxista. Entendendo que as bases materiais nas quais estamos inseridas determinam que o espaço público pertence aos homens e que por isso, mesmo entre as trabalhadoras, ocupando esses mesmos espaços, a participação dos dois geralmente não é qualitativamente a mesma. A intenção do Grupo não é separar as coisas, muito menos dividir a classe, mas a partir da compreensão de que as desigualdades foram socialmente construídas, resolvemos nos apropriar da teoria marxista elaborada por nossa classe para que possamos ocupar esse espaço de igual pra igual e junto com os camaradas levar adiante a luta revolucionária”. Nos explica Carol, uma das integrantes do Grupo.
Não apenas aqui, mas em toda a América Latina, mulheres empunham as bandeiras da Revolução Comunista assim como milhares que todos os anos tombam na luta revolucionária. Na Colômbia, mulheres lutam e derrubam os machistas e imperialistas com balaços de fuzil. No Brasil, esses que se preparem. As mulheres trabalhadoras/ desempregadas voltam a tomar a história em suas mãos.

Redação da Agencia Inverta

Poemas para inspirar no Dia Internacional de Luta das Mulheres

Conceição Evaristo – (Em memória de Beatriz Nascimento/Brasil)

A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças.
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
vaginas abertas
retêm e expulsam a vida
donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
e outras meninas luas
afastam delas e de nós
os nossos cálices de lágrimas.
A noite não adormecerá
jamais nos olhos das fêmeas
pois do nosso sangue-mulher
de nosso líquido lembradiço
em cada gota que jorra
um fio invisível e tônico
pacientemente cose a rede
de nossa milenar resistência.

 
(Gioconda Belli, Nicarágua)

Sinto que sou um bosque
que há rios dentro de mim,
montanhas,
ar fresco, ralinho
e parece-me que vou espirrar flores
e que, se abro a boca,
provocarei um furacão com todo o vento
que tenho contido nos pulmões.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Blog feminista de Lola Aronovich é censurado após ataques machistas

Fonte: Brasil de Fato

Letícia Sabatella: "Feminismo é algo que liberta homens e mulheres"

 Fonte: Brasil de Fato

As mulheres e a luta pelos seus direitos políticos no Brasil

18 mulheres brasileiras que fizeram a diferença – parte 2

Na segunda parte do artigo sobre brasileiras que mudaram a história, saiba quem são as atrizes, escritoras, políticas, advogadas e ativistas que se destacaram, durante as últimas décadas, na luta por direitos 
Por Carla Cristina Garcia (*) e Débora Baldin Lippi Fernandes (**) |

Rachel de Queiroz

Foi tradutora, romancista, escritora, jornalista, cronista e importante dramaturga brasileira. Envolvida com política e profundamente interessada nas questões sociais relativas à sua terra de nascimento, Rachel destacou-se no desenvolvimento do romance nordestino. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, e em 1993, foi a primeira mulher premiada com o Prêmio Camões. Foi presa em 1937, em Fortaleza, acusada de ser comunista. Exemplares de seus romances foram queimados.
Maria da Penha (Foto: MPCE)
Maria da Penha (Foto: MPCE)
Maria da Penha
É uma biofarmacêutica brasileira, que lutou contra o Estado, para que seu agressor fosse condenado por seus crimes. Mãe de três filhas, ela hoje é símbolo de movimentos em defesa dos direitos das mulheres e da luta contra a violência doméstica. Na década de 1980, seu marido à época tentou matá-la duas vezes – na primeira, aos tiros, simulando um assalto, e na segunda, tentou eletrocutá-la. Por conta da violência sofrida, ela ficou paraplégica. Sua denúncia chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerada, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica.
Iara Iavelberg
Foi uma militante e guerrilheira de extrema-esquerda, parte emblemática da luta armada contra a ditadura civil-militar no Brasil. Psicóloga, professora, destemida, vaidosa e divorciada,  tudo isso sem ter sequer chegado aos vinte anos, quebrou todos os tabus da época, largando um casamento para entrar para a luta armada. Foi adepta do amor livre, ideia que escandalizava a família brasileira. Depois de se integrar à luta contra o regime militar, tornou-se companheira do ex-capitão do exército Carlos Lamarca, um dos principais nomes da oposição armada ao governo militar no Brasil, até morrer numa emboscada de agentes do Estado em Salvador, Bahia, em agosto de 1971. De acordo com a primeira versão do Ministério da Marinha, ela teria se matado, fato falacioso que foi contestado após após a exumação de seu corpo em 2003.
Cassandra Rios
Pseudônimo de Odete Rios, foi uma escritora brasileira de ficção, mistério e principalmente romances que envolviam a temática da homossexualidade feminina e erotismo, sendo uma das primeiras escritoras a tratar da sexualidade da mulher desta forma. Durante sua carreira, escreveu mais de quarenta romances com altíssimos índices de venda e foi a primeira escritora brasileira a atingir um milhão de exemplares vendidos. Teve 36 de suas obras censuradas durante a ditadura civil-militar no Brasil. Se envolveu politicamente e foi candidata a deputada pelo PDT em 1986, mas não se elegeu.
Maria Berenice Dias
É uma jurista brasileira, a primeira mulher a ingressar na magistratura no estado do Rio Grande do Sul. Sua especialização é julgar ações que envolvem Direito de Família e Sucessões, de modo a quebrar o paradigma que sustenta o conceito de família heterossexualmente composta no Brasil. Cunhou o termo homoafetividade (já consta nos dicionários brasileiros), ressignificando-o de modo a extrair o estigma sexual que pairava sobre esse tipo de relação, ampliando o conceito de família tradicional. É conhecida internacionalmente por suas posturas progressistas em relação à luta pelos direitos da mulher e outras minorias.
Maria Berenice Dias (Foto: Elza Fiúza/ABr)
Maria Berenice Dias (Foto: Elza Fiúza/ABr)
Leila Diniz, em entrevista ao "O Pasquim" (Foto: WikiCommons)
Leila Diniz, em entrevista ao “O Pasquim” (Foto: WikiCommons)
Leila Diniz
Foi uma atriz brasileira, à frente do seu tempo. Quebrou tabus em plena ditadura civil-militar. Chocou a sociedade brasileira ao exibir a sua gravidez de biquíni na praia e ao falar sobre sua sexualidade sem o menor pudor: “Transo de manhã, de tarde e de noite”. Ousada e nada afeita a convenções sociais, foi duramente criticada pela sociedade conservadora das décadas de 1960 e 1970. Leila falava de sua vida pessoal sem nenhum tipo de pudor. Entrevistas marcantes foram dadas à imprensa, mas uma em específico se destaca: ela disse ao jornal “O Pasquim”, em 1969, que “você pode muito bem amar uma pessoa e ir para cama com outra. Já aconteceu comigo”. A cada trecho transcrito, seus palavrões eram substituídos por asteriscos.

Dilma Rousseff
Atual presidenta do Brasil, é economista e política filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi a primeira mulher a ser eleita para o posto de chefe de Estado e de governo, em toda a história do país. Tal acontecimento é extremamente significativo, já que ela é um dos símbolos da resistência popular durante os anos de chumbo. Integrou organizações baseadas na luta armada, contra o regime civil-militar e, passou quase três anos presa entre 1970 e 1972 (primeiramente durante a Operação Bandeirante, Oban), onde foi barbaramente torturada e, posteriormente, no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

(*) Carla Cristina Garcia é doutora em Ciências Sociais, especialista na área de sociologia do gênero, e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
(**) Débora Baldin Lippi Fernandes é graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP.
(Crédito da foto de capa: Ichiro Guerra)

18 mulheres brasileiras que fizeram a diferença – parte 1







Do império à atualidade, brasileiras têm protagonizado lutas não só por igualdade de gêneros, mas também por justiça social e avanço dos direitos civis. Na primeira parte do artigo que conta as histórias de algumas delas, conheça as mulheres que transformaram o país até a década de 20
Por Carla Cristina Garcia (*) e Débora Baldin Lippi Fernandes (**) |

Na sociedade atual, começamos a nos acostumar a conhecer mulheres escritoras, pintoras, cientistas, políticas. Algumas em profissões nas quais até poucos anos era impensável encontrar uma mulher que pudesse obter êxito e reconhecimento. Há menos de um século as mulheres não tinham nem a metade dos direitos que têm agora, especialmente no que se refere à vida pública e política. Para chegarmos onde estamos hoje, centenas de mulheres tiveram que demonstrar ser excepcionais para ganhar terreno -em um mundo dominado pelos homens – em favor da igualdade de direitos.
O movimento feminista brasileiro, mesmo sendo pequeno em termos de visibilidade social, contribuiu de maneira fundamental para a reversão das desigualdades de gênero no país e, apesar de a conexão não ser tão estreita, existe uma relação entre a história das lutas das mulheres e os processos de mudanças econômicas e sociais que ocorreram no Brasil. Pequenas vitórias foram se avolumando no tempo, mas as dificuldades não impediram seu desenvolvimento, mesmo que não linear.  Para entender a importância dessa contribuição, é preciso compreender como as mulheres romperam com a tradição cultural que lhes impôs, durante a maior parte da história brasileira, uma divisão sexual do trabalho que, de modo geral, reservava-lhes as atividades domésticas e de reprodução (privadas), atribuindo aos homens as atividades extradomésticas e produtivas (públicas).
Força, valentia e uma excepcional humanidade são algumas das qualidades destas mulheres que estiveram no momento preciso fazendo a diferença na história do Brasil.

As mulheres na luta pela Independência

Embora não tenha recebido destaque, a participação das mulheres nos movimentos de independência do Brasil parece ter sido ampla e ainda deve ser pesquisada. Ciprianno Barata, no Sentinela da liberdade, em 1823, publicou um manifesto assinado por 120 mulheres da Paraíba, que afirmavam sua solidariedade ao movimento da independência: “nós, metade da sociedade humana, desejamos reassumir direitos que nos foram usurpados e quebrar os vergonhosos ferros da vil escravidão em que jazíamos (…) por direito entramos na partilha e glória do Brasil.” (Cf. Telles,1986). Nesse contexto destaca-se a figura de Anita Garibaldi, catarinense, que se unindo a Giuseppe Garibaldi, participa das lutas republicanas durante a Guerra dos Farrapos, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e posteriormente luta pela unificação da Itália, na Europa.
Sabe-se que a Conjuração Mineira não foi um movimento exclusivamente masculino. Dentre as personalidades femininas que dele participaram, merece registro a atuação de Hipólita Jacinta Teixeira de Mello.  Filha de portugueses, era uma mulher rica e de vasta cultura.  É dela a autoria da célebre carta que denunciava a Joaquim Silvério dos Reis como o traidor de seus “companheiros” de conjura. Foi autora de diversos avisos sigilosos, dando conta de que Tiradentes fora preso no Rio de Janeiro. Promovia reuniões secretas, incentivava a tomada de posição enérgica contra a exploração do povo e chegou a financiar algumas ações dos conjurados.
Ainda no contexto das lutas pela independência, destaca-se a figura de Bárbara Alencar, matriarca, centro da organização da rebelião da família, conspiradora, escritora e avó do escritor José de Alencar, nascida em Exu, interior de Pernambuco, em 1760. Uma das mulheres de quem se tem noticias a envolver-se na revolução de 1817, Bárbara participou de várias revoltas, organizou-as e fez de sua casa um lugar de encontros. Presa, passou muitos anos em calabouços afirmando – segundo o dito popular  – que “não queira ser rainha não! Queria ser rei!”.
Maria Quitéria de Jesus (Foto: WikiCommons)
Maria Quitéria de Jesus (Foto: WikiCommons)

Maria Quitéria de Jesus lutou nos batalhões nacionalistas nas guerras de independência e não deve ser vista como mais uma exceção em meio a mulheres inativas e silenciosas. Conta-se que comandou um batalhão de mulheres. Nascida no dia 27 de julho de 1792 na Bahia, ainda criança assumiu o comando da casa e a criação dos dois irmãos mais novos. Mulher bonita, altiva e de traços marcantes, Maria Quitéria montava, caçava e manejava armas de fogo. Tornou-se soldado em 1822, quando o Recôncavo Baiano lutava contra os portugueses a favor da consolidação da independência do Brasil. Mesmo advertida pelo pai de que mulheres não iam à guerra, fugiu e, ajudada por sua irmã Teresa, cortou os cabelos, vestiu a farda de seu cunhado e ainda tomou emprestado seu sobrenome, Medeiros. Ingressou no Regimento de Artilharia, onde permaneceu até ser descoberta, semanas depois. Foi então transferida para o Batalhão dos Periquitos e à sua farda foi acrescentado um saiote. Sua bravura e habilidade no manejo das armas foram destaques desde o começo de sua vida militar. Em julho de 1823, quando o Exército Libertador entrou na cidade de Salvador, foi saudada e homenageada pela população.

A luta pela educação

Na metade do século XIX, algumas mulheres começaram a reivindicar seu direito à educação. No Brasil, por exemplo, as mulheres puderam se matricular em estabelecimentos de ensino somente em 1827. O direito a cursar uma faculdade só foi adquirido 52 anos depois. Apenas em 1887 o país formaria sua primeira médica.
As primeiras mulheres que ousaram dar esse passo foram socialmente segregadas.  O ensino proposto, só admitia meninas na escola de 1º grau, sendo que estudos de grau mais alto eram destinados somente aos meninos. As professoras sempre ganhavam menos, e as que protestavam contra esta situação eram severamente punidas, como foi o caso de Maria da Glória Sacramento, que teve seu salário suspenso por se recusar a ensinar prendas domésticas.
Nísia Floresta (Foto: WikiCommons)
Nísia Floresta (Foto: WikiCommons)

Nessa época, surge a primeira mulher brasileira a defender publicamente a emancipação feminina: Nísia Floresta Augusta (1810 -1875). Pioneira na luta pela alfabetização das meninas e jovens, fundou uma escola inovadora na cidade do Rio de Janeiro, marco na história da educação feminina no Brasil. Também foi uma das primeiras mulheres a publicar artigos em jornais de grande circulação. Nísia Floresta já considerava que a ideia de superioridade masculina possuía um vínculo com a educação e as conjunturas da vida. Compreendia também que as diferenças entre os sexos são construções sociais e que não justificam a desigualdade. Achava que a educação era o primeiro passo para emancipação da mulher. Traduziu e publicou “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”, manifesto feminista de Mary Wollstonecraft. Militante pelos direitos das mulheres não limitou suas ações a essa questão. Envolveu-se também nas discussões sobre a escravidão. Apoiou o movimento abolicionista e republicano.

As abolicionistas

Por volta de 1860, algumas mulheres brasileiras organizaram sociedades abolicionistas que esporadicamente receberam alguma atenção da imprensa da época: a Sociedade de Libertação (instalada no RJ em 1870); a Sociedade Redentora (fundada em 1870) e a Ave Libertas, a maior associação abolicionista feminina do país, criada em 1884, no Recife
O ativismo abolicionista feminino sinalizou o início do fim da escravidão da porta para dentro e a afirmação das mulheres da porta para fora. As abolicionistas puseram as mulheres brasileiras na política, coletivamente e de maneira inédita. Destacaremos aqui algumas das abolicionistas brasileiras mais importantes:
Maria Firmina dos Reis (1825-1917), escritora, jornalista, musicista e professora primária de uma classe mista e gratuita em Guimarães, Maranhão, defendeu a abolição em jornais, com poemas, charadas, contos, e no primeiro romance brasileiro de autoria feminina: Úrsula (1859). Foi descrita como tendo pele escura, cabelos grisalhos presos com um coque. Era muito querida e apreciada em sua cidade. É mais lembrada como mestra das primeiras letras do que como escritora. No entanto, deveríamos sempre destacar sua defesa do escravo, a coragem de seus argumentos e a dignidade que concedeu a seus personagens. Ela enfatizou os castigos injustos, a péssima condição da vida dos escravos, visando comover o leitor – estratégia empregada por escritoras de outras nacionalidades, que não se sabe se chegou a conhecer. Em termos de Brasil, suas preocupações e o modo com que as colocou são precoces e incomuns.
Chiquinha Gonzaga (1847-1935): Nascida em uma família militar, trocou o casamento pelo piano. Escandalizou senhoras com seus modos livres e fascinou senhores, que a gracejavam com o título de seu primeiro sucesso: Atraente. Pianista em saraus e teatros, Chiquinha participava das “conferências-concerto” abolicionistas nas quais, após os discursos políticos, havia concertos de piano, atrizes dramáticas declamavam e cantoras líricas entoavam árias contra a escravidão. Regia um coro de meninas nestas “conferências-concerto” e vendeu suas composições de porta em porta para alforriar um escravo músico, conhecido como Zé Flauta.
Chiquinha Gonzaga  (Foto: WikiCommons)
Chiquinha Gonzaga (Foto: WikiCommons)

Maria Amélia de Queiroz foi uma professora pernambucana e abolicionista Além da contribuição escrita, proferia palestras públicas em defesa da libertação dos escravos e do divórcio, e se posicionava contra a chefia masculina sobre a família. Publicou também uma coleção de biografias de mulheres célebres. Em conferências no Recife, brandia a incompatibilidade entre escravidão e direito civil e natural. Em 1887, conclamou seu gênero: “(…) que a mulher se convença de uma vez para sempre que já é tempo de levantar um brado de indignação contra o passado ignominioso de tantas raças malditas. A mulher também é capaz de grandes e altos cometimentos. Vinde! Vinde, pois, minhas amáveis patrícias! Vamos!”.  Maria Amélia abrigou escravos foragidos em sua própria residência, enquanto aguardava, com segurança, a chegada das barcaças. Foi uma das fundadoras da Ave Libertas (1884) – associação composta só de mulheres – que, utilizando os meios legais, lutava pelo fim da escravidão, combatendo as torturas, os castigos e os maus tratos impostos aos negros. Uma das grandes vitórias da associação Ave Libertas foi a libertação de duzentos escravos. Neste sentido, as abolicionistas conseguiram que os senhores de engenho assinassem duzentas cartas de alforria. Após a abolição da escravatura (em 13 de maio de 1888), Maria Amélia e suas companheiras trataram de alfabetizar os ex-escravos, bem como ensinar-lhes técnicas de trabalhos manuais, visando sua inserção no mercado de trabalho.
Cartaz da Ave Libertas, a maior associação abolicionista do país, criada em 1884, no Recife (Foto: Wikicommons)
As sufragistas 

Leolinda Daltro, grande precursora do feminismo no Brasil, vivenciou toda sorte de perseguições e foi alvo da imprensa que, por muitas vezes, dedicava-se a criticá-la e ridicularizá-la por suas ideias. Professora e indianista baiana que viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, em 1896 tomou para si a luta dos índios por condições dignas de vida. O estilo de ação política de Leolinda Daltro era peculiar. Invadia espaços exclusivamente masculinos, expunha-se pessoalmente às críticas, sempre buscando chamar a atenção da sociedade para as desigualdades e injustiças. Em protesto, ao ter seu alistamento eleitoral recusado, fundou no Rio de Janeiro, em dezembro de 1910, o Partido Republicano Feminino  – primeiro e único partido político feminino no Brasil –, cujo objetivo era mobilizar as mulheres na luta pelo direito ao voto. Dentre suas estratégias políticas de mobilização e convencimento promoveu, em novembro de 1917, uma marcha pelas ruas do Rio de Janeiro, com a participação de cerca de noventa mulheres. A rebeldia de Daltro e de suas companheiras chamou atenção da imprensa, provocou polêmica e deu visibilidade à condição feminina no Brasil. Ela também foi a primeira feminista brasileira candidata às eleições municipais, em 1919, com a plataforma da diminuição da miséria e do sofrimento e pela melhor distribuição da justiça. Entretanto, teve seu registro negado.

As socialistas

A década de 20 foi privilegiada no que diz respeito às lutas e propostas de mudanças sociais no Brasil. Prova disso são as greves de 1917, e, em 1922 ,o surgimento do Partido Comunista do Brasil, entre outros acontecimentos. Outro movimento, concomitante à luta por direitos políticos, era formado por mulheres livres-pensadoras que criavam jornais e escreviam livros e peças de teatro. Somavam-se a elas as anarquistas, que traziam consigo a luta das trabalhadoras, discutindo, assim, o trabalho e a desigualdade de classe.
Dois movimentos de mulheres operárias aocnteceram simultaneamente, um sob orientação anarquista e outro com predomínio das teses do Partido Comunista Brasileiro (PCB). As mulheres libertárias lutaram contra a exploração da força de trabalho, baixos salários e a opressão sexista. Tinham idéias próprias em torno do processo de emancipação da mulher, que contrastava com o moralismo conservador de seus companheiros e como o discurso do movimento sufragista.
Maria Lacerda de Moura (Foto: WikiCommons)
Maria Lacerda de Moura (Foto: WikiCommons)
A atuação da feminista anarquista Maria Lacerda de Moura revela “a outra face do feminismo”. Ela questionou temas enfocados pelas mulheres da FBPF: a maternidade consciente, o amor livre e o direito da mulher ao amor. Além disso, considerava o voto um processo inadequado de luta pelo poder, porque beneficiava algumas mulheres sem trazer coisa alguma “à multidão feminina”.  Nascida em Minas Gerais em 16 de maio de 1887, desde jovem se interessou pelo pensamento social e pelas ideias anticlericais. Formou-se na Escola Normal de Barbacena, em 1904, começando logo a lecionar nessa mesma escola. Inicia então um trabalho junto às mulheres da região, incentivando um mutirão de construção de casas populares para a população carente da cidade. Participou da fundação da Liga Contra o Analfabetismo. Como educadora, adotou a pedagogia libertária de Francisco Ferrer Guardia. Após se mudar para São Paulo, começou a dar aulas particulares e a colaborar na imprensa operária e anarquista brasileira e internacional. No jornal A Plebe (SP), escreveu principalmente sobre pedagogia e educação.
Ativa conferencista, tratava de temas como educação, direitos da mulher, amor livre, combate ao fascismo e antimilitarismo, tornando-se conhecida não só no Brasil, mas também no Uruguai e Argentina, onde esteve convidada por grupos anarquistas e sindicatos locais. Entre 1928 e 1937, a ativista libertária viveu numa comunidade em Guararema (SP), no período mais intenso da sua atividade intelectual, em que esteve, de acordo com ela mesma, “livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais”.  Maria Lacerda de Moura pode ser considerada uma das poucas ativistas que se envolveu diretamente com o movimento operário e sindical.  Via a luta feminista como parte integrante do combate social compartilhado igualmente por homens e mulheres engajados na luta pela eliminação de toda exploração, injustiça e preconceito.

(*) Carla Cristina Garcia é doutora em Ciências Sociais, especialista na área de sociologia do gênero, e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
(**) Débora Baldin Lippi Fernandes é graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP.

A nova geração de feministas brasileiras

“Tem gente que pensa que o 8 de Março é o dia de homenagear as mulheres, de dar flores, dizer que elas enfeitam o mundo. Mas não é. Esse é um dia de luta, da luta feminista”, faz questão de lembrar a militante Priscilla Caroline Brito, de 23 anos. A jovem de Brasília trabalha no Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o CFEMEA, além de escrever no site “Blogueiras Feministas”. Ela faz parte de uma nova geração de mulheres que luta pela igualdade de gêneros no Brasil.

Depois de conquistarem o direito ao voto na década de 30, de verem criada a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher, em 1985, e de festejarem a sanção da Lei Maria da Penha, em 2006, as feministas brasileiras ainda têm muitas causas pelas quais lutar.
— O feminismo está longe de acabar. Ainda reivindicamos a legalização do aborto, os direitos reprodutivos, a liberdade sexual, a autonomia sobre o corpo, a paridade na política, o trabalho digno, a igualdade nos salários e o combate à violência doméstica — enumera Priscilla, que foi criada por mãe solteira. — Cresci vendo minha mãe sofrer discriminação por ser uma mulher com autonomia e três filhas para criar. Sei que ainda temos muitos preconceitos para derrubar.
 
 
Considerado um dos movimentos mais bem-sucedidos do século XX, o feminismo tem passado por uma reforma. Cai a imagem de uma militante sisuda e entram em cena manifestações mais irônicas e até bem-humoradas. Segundo a mineira Anna Steel, que tem 19 anos e, junto com a parceira de luta Sara Winter, organiza o braço brasileiro do Femen, a mudança da imagem da feminista está colaborando para aceitação do movimento.
— Se você perguntasse para alguém, há alguns anos, o que era uma feminista, muitos diriam: uma lésbica ou uma solteirona de 40 anos que não se depila. Hoje, quando você faz a mesma pergunta, muita gente já reponde que é uma mulher que luta pela igualdade de gênero — diz Anna, acrescentando que, dos cerca de dez e-mails que o Femen Brasil recebe por dia, seis deles são de meninas de 15 a 18 anos. — Se, antes, queimávamos sutiãs, hoje, tentamos queimar o moralismo.
Até a queima dos sutiãs da década de 60 foi substituída. Ela deu lugar ao topless — forma utilizada por grupos como o Femen, criado na Ucrânia, para chamar atenção da sociedade para a luta pela liberdade sobre o corpo.
— Quando a gente tira a roupa, é para mostrar às pessoas que costumam se apropriar e vender o corpo da mulher que somos nós que detemos o poder sobre nossos corpos. Nós podemos fazer o que quisermos com ele e isso não diz respeito a ninguém — defende Anna Steel.


A forma de disseminar a ideologia também não é mais a mesma. Hoje, as garotas e mulheres usam a internet como principal arma de articulação. A Marcha das Vadias, que, como o Femen, prega a libertação do corpo feminino, conseguiu reunir, em 2012, cerca de 3 mil pessoas em Brasília, uma das cidades onde ela acontece. E toda a mobilização foi feita pelas redes sociais.
— Usamos listas de e-mail, Facebook e Twitter não só para convocar as companheiras, como também para discutir as diversas vertentes do feminismo. A informação é uma forma poderosa de luta, e nós estamos reinventando a nossa linguagem — afirma Anna, que também usa a web para se comunicar com a matriz do Femen, na Ucrânia. — Fazemos reuniões semanais, e nada disso seria possível sem a internet.
Anna se mudou de Belo Horizonte para o Rio há duas semanas para, justamente, ficar mais próxima dos grandes eventos esportivos que começarão a acontecer na cidade a partir de junho, quando será realizada a Copa das Confederações.
— Já estamos elaborando protestos contra o turismo sexual para essa época, mas as manifestações vão se intensificar mesmo durante a Copa do Mundo. A intenção é fazer, pelo menos, duas ações por dia — avisa Anna.
A ditadura da magreza é outro assunto que está sempre na pauta das neofeministas. A carioca Carolina Peterli, de 24 anos, roda as universidades do Rio levando a discussão sobre os padrões de beleza às estudantes.
— Esse é um tema com o qual as alunas se identificam muito. As jovens querem ser aceitas na sociedade, mas precisam ter noção de que muitos dos padrões de beleza não são saudáveis. Não é preciso ter um peito grande ou pesar 40 quilos para ser amada. Conversamos muito com as meninas sobre isso — comenta Carolina, recém-formada em Relações Internacionais pela PUC.
Esta semana, a Escola Politécnida da USP entrou na pauta de discussão das feministas por conta de um trote repleto de “brincadeiras” machistas. Na lista de atividades havia itens como “jogar elásticos em uma caloura de biquíni” ou “filmar bixetes lavando um carro de camiseta branca”.
— Os homens e mulheres que estão nas comissões de trote muitas vezes reproduzem a visão que objetifica a mulher. E ainda agem como se fosse algo natural, como se fosse brincadeira. Por isso, fazemos uma campanha pelos trotes não machistas nas universidades. As meninas também devem denunciar — orienta Carolina, da Marcha Mundial das Mulheres. — Não queremos ser caretas, mas o campus tem que ser um espaço de confraternização, não de veteranos se sentirem superiores.
Segundo a paulista Natalia Totta, que tem 23 anos e é associada ao Femen, há outros momentos do dia a dia das jovens nos quais o machismo aparece.


— Quando pagamos menos para entrar na balada, é porque estamos sendo usadas como iscas para atrair homens. Isso é uma forma de tratar as meninas como objetos — define Natalia, apontando que, em muitos casos, as próprias garotas reafirmam a visão machista: — Quando meu namorado olha para um menina na rua, por que eu chamo ela de vaca? O porco é ele. Sejamos mais solidárias, mulheres!

— A unidade só beneficia o movimento. Por isso, devemos buscar os pontos de convergência e não deixar que as diferenças nos enfraqueçam.