Segundo o dicionário mais famoso do mundo, o Oxford, da Inglaterra, a palavra de 2016 foi “pós-verdade”. O adjetivo faz referência a "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais", segundo o Oxford, que incorporou a palavra no dicionário depois dela ter sido exaustivamente usada nos jornais e redes sociais.
Em
tempos de “pós-verdade”, conceitos já consolidados, assim como
identidades e as conquistas parecem suspensos no ar. Estão sendo
atropelados pela cultura conservadora. Nesse contexto, pensar e discutir
o feminismo é um desafio. Não por acaso, os direitos das mulheres foram
os primeiros a serem atacados, mas também partiram das mulheres as
lutas mais espontâneas e emblemáticas lutas dos últimos dois anos. Foi
assim com a “primavera das mulheres”, no Brasil, o movimento “Ni Una a
Menos”, na Argentina, e mais recentemente a “Marcha das Mulheres”, nos
Estados Unidos, contra o novo presidente Donald Trump.
Para falar sobre feminismo o Brasil de Fato entrevistou a atriz Letícia
Sabatella. Ela foi uma das convidadas do evento Mulheres em Movimento,
que está sendo realizado essa semana, no Rio de Janeiro, pela
organização ELAS Fundo de Investimento Social. A atriz falou sobre os
desafios que mulheres e homens devem enfrentar nesse momento de
turbulências políticas e sociais no país.
Brasil de Fato - Qual é o papel do feminismo na conjuntura em que a gente vive no Brasil?
Letícia Sabatella - É a busca de equilíbrio para o que vem acontecendo.
Nós somos as mais atingidas pelo modo neoliberal de pensar a sociedade,
com alguns lucrando com a miséria e nenhum cuidado com o bem-estar
social. A melhor coisa que alguém pode desejar na vida é abrir a porta
de casa, sair tranquila, em paz, e saber que existe educação, saúde de
qualidade, que vai poder crescer na vida. Estamos vivendo um tempo em
que os valores individualistas parecem mais importantes que o coletivo.
Não querem mais pensar coletivamente, isso virou uma coisa imoral. É
nosso papel lutar contra isso e a favor de práticas amorosas.
Toda mulher já sofreu algum tipo de machismo em algum momento da
vida, senão durante a vida inteira. O mais te incomoda nessa questão do
machismo?
Incomoda o tempo inteiro porque as pessoas introjetam o machismo. O
machismo vai por dentro, vai minando nossas forças e daqui a pouco
qualquer mulher pode introjetar o machismo, são limites que são impostos
e incutidos na cabeça dela. Isso vem da cultura machista. A mulher
precisa de mais possibilidades, mais liberdade. A sociedade tem que dar
mais poder à mulher, mais possibilidades de realização de sonhos
diversos e nos liberar de todas essas ideias que nos oprimem e permitir à
mulher ter conhecimentos diversificados.
Aquela vez em que você sofreu uma agressão na rua, de manifestante
pró-impeachment, em agosto de 2016, em sua opinião tinha algum viés
machista?
Acho que tudo o que configurou o golpe foi machista, até a maneira como
se referiam à presidenta Dilma era uma maneira muito misógina (de ódio e
aversão à mulher). Tudo isso foi tirando qualquer questão legítima da
pauta e foi entrando uma coisa que era embrutecedora. O que estava vindo
era algo que fazia crítica de maneira estúpida, ignorante, sem
escrúpulo, sem ética e muito destruidor. Quando penso em feminismo até
acho que é um nome meio doido porque parece que pende para um lado da
balança, mas na verdade ele equilibra a balança, que está pendendo
demais para um lado só. Penso no feminismo como algo que não pertence
apenas ao movimento de mulheres, pois é algo que liberta e melhora a
situação de homens e mulheres.
Gostaria que falasse também sobre seus trabalhos na atualidade e o que está planejando para esse ano.
Estou fazendo um monólogo (no teatro) que é Ilíada, junto com outros 24
atores, cada um fazendo um monólogo. Com esse trabalho, onde compus a
trilha sonora com o Fernando Alves Pinto, concorremos ao Prêmio Shell
(2014). Agora também estamos fazendo a Caravana Tonteria (um show
musical com intervenções teatrais), com algumas músicas próprias e
algumas escolhidas. Esse ano estamos ainda com alguns projetos para
continuar fazendo a peça A Vida em Vermelho de Edith Piaf e Bertolt
Brecht (peça de Aimar Labaki que narra um encontro fictício entre a
cantora Edith Piaf e o dramaturgo Bertolt Brecht). Vou fazer uma
participação na minissérie Carcereiros, na Globo (série é baseada no
livro homônimo do médico Drauzio Varella, sobre o sistema
penitenciário). Recentemente também fiz o filme Happy Hour, do diretor
Eduardo Albergaria, em uma coprodução Brasil-Argentina.
Por fim, queria que você deixasse uma mensagem para todas as pessoas que estão resistindo e lutando contra retrocessos.
Tenho recebido tanto afeto, tanto amor, tanta adesão e tenho visto tanta
gente linda e corajosa lutando que confesso que tenho esperança. Muitas
conquistas serão inevitáveis diante do que tenho visto de luta, nisso
tenho muita esperança. Me compadeço de todas essas perdas que a gente
está tendo. Vejo as dificuldades que estamos vivendo, isso fica claro
nas falas lindas de muitas mulheres do movimento negro, indígena,
lésbica, movimentos populares importantes. Me emociono com todas elas,
com todas as causas das mulheres trabalhadoras. Nossa resposta a tudo
isso é o afeto e a reorganização desse feminino que incomoda tanto.
Fonte: Brasil de Fato
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