segunda-feira, 6 de março de 2017

18 mulheres brasileiras que fizeram a diferença – parte 1







Do império à atualidade, brasileiras têm protagonizado lutas não só por igualdade de gêneros, mas também por justiça social e avanço dos direitos civis. Na primeira parte do artigo que conta as histórias de algumas delas, conheça as mulheres que transformaram o país até a década de 20
Por Carla Cristina Garcia (*) e Débora Baldin Lippi Fernandes (**) |

Na sociedade atual, começamos a nos acostumar a conhecer mulheres escritoras, pintoras, cientistas, políticas. Algumas em profissões nas quais até poucos anos era impensável encontrar uma mulher que pudesse obter êxito e reconhecimento. Há menos de um século as mulheres não tinham nem a metade dos direitos que têm agora, especialmente no que se refere à vida pública e política. Para chegarmos onde estamos hoje, centenas de mulheres tiveram que demonstrar ser excepcionais para ganhar terreno -em um mundo dominado pelos homens – em favor da igualdade de direitos.
O movimento feminista brasileiro, mesmo sendo pequeno em termos de visibilidade social, contribuiu de maneira fundamental para a reversão das desigualdades de gênero no país e, apesar de a conexão não ser tão estreita, existe uma relação entre a história das lutas das mulheres e os processos de mudanças econômicas e sociais que ocorreram no Brasil. Pequenas vitórias foram se avolumando no tempo, mas as dificuldades não impediram seu desenvolvimento, mesmo que não linear.  Para entender a importância dessa contribuição, é preciso compreender como as mulheres romperam com a tradição cultural que lhes impôs, durante a maior parte da história brasileira, uma divisão sexual do trabalho que, de modo geral, reservava-lhes as atividades domésticas e de reprodução (privadas), atribuindo aos homens as atividades extradomésticas e produtivas (públicas).
Força, valentia e uma excepcional humanidade são algumas das qualidades destas mulheres que estiveram no momento preciso fazendo a diferença na história do Brasil.

As mulheres na luta pela Independência

Embora não tenha recebido destaque, a participação das mulheres nos movimentos de independência do Brasil parece ter sido ampla e ainda deve ser pesquisada. Ciprianno Barata, no Sentinela da liberdade, em 1823, publicou um manifesto assinado por 120 mulheres da Paraíba, que afirmavam sua solidariedade ao movimento da independência: “nós, metade da sociedade humana, desejamos reassumir direitos que nos foram usurpados e quebrar os vergonhosos ferros da vil escravidão em que jazíamos (…) por direito entramos na partilha e glória do Brasil.” (Cf. Telles,1986). Nesse contexto destaca-se a figura de Anita Garibaldi, catarinense, que se unindo a Giuseppe Garibaldi, participa das lutas republicanas durante a Guerra dos Farrapos, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e posteriormente luta pela unificação da Itália, na Europa.
Sabe-se que a Conjuração Mineira não foi um movimento exclusivamente masculino. Dentre as personalidades femininas que dele participaram, merece registro a atuação de Hipólita Jacinta Teixeira de Mello.  Filha de portugueses, era uma mulher rica e de vasta cultura.  É dela a autoria da célebre carta que denunciava a Joaquim Silvério dos Reis como o traidor de seus “companheiros” de conjura. Foi autora de diversos avisos sigilosos, dando conta de que Tiradentes fora preso no Rio de Janeiro. Promovia reuniões secretas, incentivava a tomada de posição enérgica contra a exploração do povo e chegou a financiar algumas ações dos conjurados.
Ainda no contexto das lutas pela independência, destaca-se a figura de Bárbara Alencar, matriarca, centro da organização da rebelião da família, conspiradora, escritora e avó do escritor José de Alencar, nascida em Exu, interior de Pernambuco, em 1760. Uma das mulheres de quem se tem noticias a envolver-se na revolução de 1817, Bárbara participou de várias revoltas, organizou-as e fez de sua casa um lugar de encontros. Presa, passou muitos anos em calabouços afirmando – segundo o dito popular  – que “não queira ser rainha não! Queria ser rei!”.
Maria Quitéria de Jesus (Foto: WikiCommons)
Maria Quitéria de Jesus (Foto: WikiCommons)

Maria Quitéria de Jesus lutou nos batalhões nacionalistas nas guerras de independência e não deve ser vista como mais uma exceção em meio a mulheres inativas e silenciosas. Conta-se que comandou um batalhão de mulheres. Nascida no dia 27 de julho de 1792 na Bahia, ainda criança assumiu o comando da casa e a criação dos dois irmãos mais novos. Mulher bonita, altiva e de traços marcantes, Maria Quitéria montava, caçava e manejava armas de fogo. Tornou-se soldado em 1822, quando o Recôncavo Baiano lutava contra os portugueses a favor da consolidação da independência do Brasil. Mesmo advertida pelo pai de que mulheres não iam à guerra, fugiu e, ajudada por sua irmã Teresa, cortou os cabelos, vestiu a farda de seu cunhado e ainda tomou emprestado seu sobrenome, Medeiros. Ingressou no Regimento de Artilharia, onde permaneceu até ser descoberta, semanas depois. Foi então transferida para o Batalhão dos Periquitos e à sua farda foi acrescentado um saiote. Sua bravura e habilidade no manejo das armas foram destaques desde o começo de sua vida militar. Em julho de 1823, quando o Exército Libertador entrou na cidade de Salvador, foi saudada e homenageada pela população.

A luta pela educação

Na metade do século XIX, algumas mulheres começaram a reivindicar seu direito à educação. No Brasil, por exemplo, as mulheres puderam se matricular em estabelecimentos de ensino somente em 1827. O direito a cursar uma faculdade só foi adquirido 52 anos depois. Apenas em 1887 o país formaria sua primeira médica.
As primeiras mulheres que ousaram dar esse passo foram socialmente segregadas.  O ensino proposto, só admitia meninas na escola de 1º grau, sendo que estudos de grau mais alto eram destinados somente aos meninos. As professoras sempre ganhavam menos, e as que protestavam contra esta situação eram severamente punidas, como foi o caso de Maria da Glória Sacramento, que teve seu salário suspenso por se recusar a ensinar prendas domésticas.
Nísia Floresta (Foto: WikiCommons)
Nísia Floresta (Foto: WikiCommons)

Nessa época, surge a primeira mulher brasileira a defender publicamente a emancipação feminina: Nísia Floresta Augusta (1810 -1875). Pioneira na luta pela alfabetização das meninas e jovens, fundou uma escola inovadora na cidade do Rio de Janeiro, marco na história da educação feminina no Brasil. Também foi uma das primeiras mulheres a publicar artigos em jornais de grande circulação. Nísia Floresta já considerava que a ideia de superioridade masculina possuía um vínculo com a educação e as conjunturas da vida. Compreendia também que as diferenças entre os sexos são construções sociais e que não justificam a desigualdade. Achava que a educação era o primeiro passo para emancipação da mulher. Traduziu e publicou “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”, manifesto feminista de Mary Wollstonecraft. Militante pelos direitos das mulheres não limitou suas ações a essa questão. Envolveu-se também nas discussões sobre a escravidão. Apoiou o movimento abolicionista e republicano.

As abolicionistas

Por volta de 1860, algumas mulheres brasileiras organizaram sociedades abolicionistas que esporadicamente receberam alguma atenção da imprensa da época: a Sociedade de Libertação (instalada no RJ em 1870); a Sociedade Redentora (fundada em 1870) e a Ave Libertas, a maior associação abolicionista feminina do país, criada em 1884, no Recife
O ativismo abolicionista feminino sinalizou o início do fim da escravidão da porta para dentro e a afirmação das mulheres da porta para fora. As abolicionistas puseram as mulheres brasileiras na política, coletivamente e de maneira inédita. Destacaremos aqui algumas das abolicionistas brasileiras mais importantes:
Maria Firmina dos Reis (1825-1917), escritora, jornalista, musicista e professora primária de uma classe mista e gratuita em Guimarães, Maranhão, defendeu a abolição em jornais, com poemas, charadas, contos, e no primeiro romance brasileiro de autoria feminina: Úrsula (1859). Foi descrita como tendo pele escura, cabelos grisalhos presos com um coque. Era muito querida e apreciada em sua cidade. É mais lembrada como mestra das primeiras letras do que como escritora. No entanto, deveríamos sempre destacar sua defesa do escravo, a coragem de seus argumentos e a dignidade que concedeu a seus personagens. Ela enfatizou os castigos injustos, a péssima condição da vida dos escravos, visando comover o leitor – estratégia empregada por escritoras de outras nacionalidades, que não se sabe se chegou a conhecer. Em termos de Brasil, suas preocupações e o modo com que as colocou são precoces e incomuns.
Chiquinha Gonzaga (1847-1935): Nascida em uma família militar, trocou o casamento pelo piano. Escandalizou senhoras com seus modos livres e fascinou senhores, que a gracejavam com o título de seu primeiro sucesso: Atraente. Pianista em saraus e teatros, Chiquinha participava das “conferências-concerto” abolicionistas nas quais, após os discursos políticos, havia concertos de piano, atrizes dramáticas declamavam e cantoras líricas entoavam árias contra a escravidão. Regia um coro de meninas nestas “conferências-concerto” e vendeu suas composições de porta em porta para alforriar um escravo músico, conhecido como Zé Flauta.
Chiquinha Gonzaga  (Foto: WikiCommons)
Chiquinha Gonzaga (Foto: WikiCommons)

Maria Amélia de Queiroz foi uma professora pernambucana e abolicionista Além da contribuição escrita, proferia palestras públicas em defesa da libertação dos escravos e do divórcio, e se posicionava contra a chefia masculina sobre a família. Publicou também uma coleção de biografias de mulheres célebres. Em conferências no Recife, brandia a incompatibilidade entre escravidão e direito civil e natural. Em 1887, conclamou seu gênero: “(…) que a mulher se convença de uma vez para sempre que já é tempo de levantar um brado de indignação contra o passado ignominioso de tantas raças malditas. A mulher também é capaz de grandes e altos cometimentos. Vinde! Vinde, pois, minhas amáveis patrícias! Vamos!”.  Maria Amélia abrigou escravos foragidos em sua própria residência, enquanto aguardava, com segurança, a chegada das barcaças. Foi uma das fundadoras da Ave Libertas (1884) – associação composta só de mulheres – que, utilizando os meios legais, lutava pelo fim da escravidão, combatendo as torturas, os castigos e os maus tratos impostos aos negros. Uma das grandes vitórias da associação Ave Libertas foi a libertação de duzentos escravos. Neste sentido, as abolicionistas conseguiram que os senhores de engenho assinassem duzentas cartas de alforria. Após a abolição da escravatura (em 13 de maio de 1888), Maria Amélia e suas companheiras trataram de alfabetizar os ex-escravos, bem como ensinar-lhes técnicas de trabalhos manuais, visando sua inserção no mercado de trabalho.
Cartaz da Ave Libertas, a maior associação abolicionista do país, criada em 1884, no Recife (Foto: Wikicommons)
As sufragistas 

Leolinda Daltro, grande precursora do feminismo no Brasil, vivenciou toda sorte de perseguições e foi alvo da imprensa que, por muitas vezes, dedicava-se a criticá-la e ridicularizá-la por suas ideias. Professora e indianista baiana que viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro, em 1896 tomou para si a luta dos índios por condições dignas de vida. O estilo de ação política de Leolinda Daltro era peculiar. Invadia espaços exclusivamente masculinos, expunha-se pessoalmente às críticas, sempre buscando chamar a atenção da sociedade para as desigualdades e injustiças. Em protesto, ao ter seu alistamento eleitoral recusado, fundou no Rio de Janeiro, em dezembro de 1910, o Partido Republicano Feminino  – primeiro e único partido político feminino no Brasil –, cujo objetivo era mobilizar as mulheres na luta pelo direito ao voto. Dentre suas estratégias políticas de mobilização e convencimento promoveu, em novembro de 1917, uma marcha pelas ruas do Rio de Janeiro, com a participação de cerca de noventa mulheres. A rebeldia de Daltro e de suas companheiras chamou atenção da imprensa, provocou polêmica e deu visibilidade à condição feminina no Brasil. Ela também foi a primeira feminista brasileira candidata às eleições municipais, em 1919, com a plataforma da diminuição da miséria e do sofrimento e pela melhor distribuição da justiça. Entretanto, teve seu registro negado.

As socialistas

A década de 20 foi privilegiada no que diz respeito às lutas e propostas de mudanças sociais no Brasil. Prova disso são as greves de 1917, e, em 1922 ,o surgimento do Partido Comunista do Brasil, entre outros acontecimentos. Outro movimento, concomitante à luta por direitos políticos, era formado por mulheres livres-pensadoras que criavam jornais e escreviam livros e peças de teatro. Somavam-se a elas as anarquistas, que traziam consigo a luta das trabalhadoras, discutindo, assim, o trabalho e a desigualdade de classe.
Dois movimentos de mulheres operárias aocnteceram simultaneamente, um sob orientação anarquista e outro com predomínio das teses do Partido Comunista Brasileiro (PCB). As mulheres libertárias lutaram contra a exploração da força de trabalho, baixos salários e a opressão sexista. Tinham idéias próprias em torno do processo de emancipação da mulher, que contrastava com o moralismo conservador de seus companheiros e como o discurso do movimento sufragista.
Maria Lacerda de Moura (Foto: WikiCommons)
Maria Lacerda de Moura (Foto: WikiCommons)
A atuação da feminista anarquista Maria Lacerda de Moura revela “a outra face do feminismo”. Ela questionou temas enfocados pelas mulheres da FBPF: a maternidade consciente, o amor livre e o direito da mulher ao amor. Além disso, considerava o voto um processo inadequado de luta pelo poder, porque beneficiava algumas mulheres sem trazer coisa alguma “à multidão feminina”.  Nascida em Minas Gerais em 16 de maio de 1887, desde jovem se interessou pelo pensamento social e pelas ideias anticlericais. Formou-se na Escola Normal de Barbacena, em 1904, começando logo a lecionar nessa mesma escola. Inicia então um trabalho junto às mulheres da região, incentivando um mutirão de construção de casas populares para a população carente da cidade. Participou da fundação da Liga Contra o Analfabetismo. Como educadora, adotou a pedagogia libertária de Francisco Ferrer Guardia. Após se mudar para São Paulo, começou a dar aulas particulares e a colaborar na imprensa operária e anarquista brasileira e internacional. No jornal A Plebe (SP), escreveu principalmente sobre pedagogia e educação.
Ativa conferencista, tratava de temas como educação, direitos da mulher, amor livre, combate ao fascismo e antimilitarismo, tornando-se conhecida não só no Brasil, mas também no Uruguai e Argentina, onde esteve convidada por grupos anarquistas e sindicatos locais. Entre 1928 e 1937, a ativista libertária viveu numa comunidade em Guararema (SP), no período mais intenso da sua atividade intelectual, em que esteve, de acordo com ela mesma, “livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais”.  Maria Lacerda de Moura pode ser considerada uma das poucas ativistas que se envolveu diretamente com o movimento operário e sindical.  Via a luta feminista como parte integrante do combate social compartilhado igualmente por homens e mulheres engajados na luta pela eliminação de toda exploração, injustiça e preconceito.

(*) Carla Cristina Garcia é doutora em Ciências Sociais, especialista na área de sociologia do gênero, e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
(**) Débora Baldin Lippi Fernandes é graduada em Relações Internacionais pela PUC-SP.

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